sábado, 14 de novembro de 2009

Testos e panelas


É muito feliz a palavra que pelo Norte utilizamos para designar a tampa da panela: testo! É denso como um texto, acolhedor como um texto, mas mais fechado: testo. E serve para isso mesmo, para fechar, tapar panelas e tachos. E diz o povo, por estas bandas, que há sempre um testo para uma panela, não propriamente no sentido de a fechar, mas de a completar e de juntos formarem uma combinação para a vida.
Tal como muitos provérbios, este tem uma leitura genérica colectiva e não distributiva, ou seja, aplica-se a um determinado universo na generalidade e não forçosamente a cada um dos elementos desse universo. É semelhante à diferença existente entre a frase "O homem é um mamífero" (igual a "cada um dos homens é um mamífero": leitura distributiva) e a frase "O português gosta de opinar sobre tudo" (igual a "uma parte significativa dos portugueses – mas não todos – gosta de opinar sobre tudo:" leitura colectiva).
Na verdade, há alguns testos mais desajeitados, enferrujados, desajustados, que apenas tapam um ou outro recipiente de vez em quando, sem terem tacho ou panela fixos e sendo usados apenas à falta de melhor opção. Estão condenados à solidão, até enferrujarem completamente e serem ecologicamente descartados.
Há panelas igualmente desconchavadas, demasiado desbocadas, que apenas são utilizadas em último caso, para ferver um pouco de água ou cozer aquela carne ou aquele peixe que deixa muito mal tratados os receptáculos que o acolhem. À primeira oportunidade, também são despachados para o além, sem direito a registo ou aviso de recepção.
E, assim, estas criaturas saem do trem da cozinha e entram no comboio do desterro, que as leva para muito longe da vista das pessoas, perante as quais incomodam e se incomodam. Embarcam numa viagem que mostra bem como os provérbios não distribuem verdades absolutas, mas, na sua sabedoria, instituem verdades apenas colectivas.

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